Apresentação

Este Blog, criado por dois advogados e professores de Direito Processual Civil, Pedro Henrique Pedrosa Nogueira (da UFAL) e Roberto Campos Gouveia Filho (da UNICAP), tem por finalidade precípua despertar a comunidade científica para o debate sobre a obra (não apenas, embora preponderantemente, jurídica) do mestre alagoano Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Todos são bem-vindos, sejam aqueles que seguem a obra, que a criticam ou, até mesmo, que a desconhecem.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA: RAZÕES DE UMA DISCORDÂNCIA


     A nota abaixo é a transcrição literal de um posicionamento por mim tomado no grupo de discussões virtual do IBDP (Insituto Brasileiro de Direito Processual) - N/NE. Como ocorre na maioria dos casos, posicionei-me contrário ao modismo presente na Ciência do Processo. Como a maioria das opiniões lá eram favoráveis ao tema, mas, a meu ver, boa parte delas, eram despidas de maiores fundamentos teóricos, resolvi escrever uma mensagem eletrônica maior, cujo título é o mesmo desta nota. Vamos a ela.

      Prezados,

     Resolvi explicitar o porquê de minha convicção contra o problema da relativização. Seguem, abaixo, as razões:

      a) muitos dos problemas relacionados à coisa julgada, na verdade, nada tem a ver com ela. Por exemplo, o falso problema do art. 741, p. único, CPC, que, como bem analisou Beclaute, é referente à eficácia executiva da setença que pode ser encoberta pelo exercício por parte do executado de uma exceção gerada pela decisão do STF em controle abstrato de constitucionalidade. Em suma, temos, nesse caso, por expressa previsão legal, uma regra que, senão extingue, possibilita o tolhimento da eficácia executiva da sentença, algo que ocorre, mutatis mutandis, de há muito, com a prescrição da pretensão executiva (que exsurge da eficácia da sentença). Vejam que, se bem entendermos a distinção entre eficácia da sentença, imperatividade do ato estatal e coisa julgada, nos moldes feitos por Pontes de Miranda (obviamente, não ignoro a contribuição de Liebman para o tema, sua tese, todavia, é, no mínimo, incompleta, não só por não trabalhar com as cinco eficácias, mas também por emaranhar, ao não trabalhar com o conceito de ação material, os planos material, pré-processual e processual do direito), problemas como este em comento passam ao largo da coisa julgada;

      b) como bem disse Marinoni, num dos melhores livros dele, a coisa julgada não é objeto do discurso jurídico, como são outros conceitos como o de vida, liberdade, patrimônio, dignidade. Tais noções devem ser descobertas processualmente. A coisa julgada não, ela é pressupostos do discurso jurídico, é o que faz dele distinto de outros discursos como o da moral e o da política.  É óbvio que não estou a dizer que toda decisão judicial deve ser apta a gerar coisa julgada (minhas bases ovidianas bem demonstram isso), mas o mínimo de previsão dela é indispensável (premissa lógica) para a definição do discurso jurídico. Desse modo, a coisa julgada não pode ser objeto de ponderação, do tipo: coisa julgada x dignidade, coisa julgada x verdade real (sem adentrar na problemática em torno desta última, que, a meu ver, é infrutífera);

   c) não obstante, partindo da ideia de que a coisa julgada pode ser descoberta processualmente, cometeríamos um erro de método ao, em princípio, por de lado a coisa julgada em face de outros valores como o da verdade (norte do leading case). Não há ponderação feita em hipótese. Ou o legislador deixa margem para a ponderação no caso concreto ou não o faz. Penso, por exemplo, ainda com Marinoni, que a vedação do uso de meios probatórios ilícitos, no âmbito do processo penal, foi de toda completada pelo legislador;

     d) talvez o maior problema dentro da discussão do tema seja o relativo às premissas da TGD. Muitos do que escrevem sobre a relativização sequer têm noção dos três planos do fenômeno jurídico. Do tipo, dizer que a norma inconstitucional (e, pior, a decisão que nela se baseia), é inexistente. Maior abusrdo não pode existir. Esquecem, ou ignoram, por exemplo, que Marcelo Neves (a meu ver, o maior jurista brasileiro vivo), ainda nos albores de sua vida acadêmica, aplicando, de certo modo, a tese ponteana, definiu a norma inconstitucional como pertinente ao sistema (= existente) e eficaz (portanto, apta a incidir) até ser desfeita pela decretação de sua inconstitucionalidade. Façam uma coisa, perguntem as pessoas ligadas a vocês e estudiosas do direito constitucional se já leram este belo trabalho (Teoria da Inconstitucionalidade das Leis. Saraiva, 1988).  Perguntem, do mesmo modo, se já leram o livro de Jorge Miranda Contributo à Teoria da Inconstitucionalidade, o qual trabalha com o problema como de inexistência jurídica. Garanto que em bom número o conhecimento da obra do jurista lusitano é maior. Um retrato de nossa Ciência Jurídica: o de fora é sempre melhor;

     e) ainda no tema, muitos autores, como Dinamarco, chegam ao absurdo de dizer que decisões injustas não podem ser consideradas. Ora, na ótica do direito positivo, o que seria uma decisão injusta senão aquela que é violadora das normas jurídicas? Chegam, até mesmo, ao absurdo de proclamar a inexistência das decisões;

    f) mas, a meu ver, o maior problema é: quem vai garantir a justeza da decisão relativizadora? Não há nada no sistema que o faça. A não ser, numa total inversão de valores, a própria coisa julgada. Parece que tal questionamento, lançado pelo  professor Ovídio Baptista da Silva, ainda não tem, a meu ver, resposta. Foi isso que destruiu a teoria de Francesco Carnelutti, pois, ao fim e ao cabo, pode não haver uma justa composição da lide, de modo que, por via oblíqua, ele acabava definindo a atividade jurisdicional como a que produz coisa julgada;

      g) por fim, como processualizar a ação material (mesmo, aqui, faço questão de ser fiel as minhas bases) de relativização? Caso a causa tenha chegado ao tribunal, o juízo de 1a. instância pode processá-la e jugá-la? É algo que precisa ser respondido.
  
    Quero dizer, como conclusão, que não sou contra a discussão, no âmbito da Política Jurislativa, da relativização da coisa julgada. Estamos, inclusive, num momento propício para tanto em virtude do Projeto do NCPC. Acho, ademais, que toda a problemática em torno da formação e do desfazimento da coisa julgada é de viés infraconstitucional. Não concordo, todavia, com a ideia de deixar para órgão jurisdicional a última palavra sobre o tema.
  
      No aguardo das considerações e, principalmente, das críticas de todos.

      Recife, 15 de abril de 2011.

                                                                Roberto P. Campos Gouveia Filho

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