O texto abaixo foi escrito para o grupo de discussão da Associação Norte e Nordeste dos Professores de Processo, da qual sou membro. Seu conteúdo é delimitação da execução forçada. Muitas discussões foram geradas. O tema é polêmico. Defendo, todavia, a ideia com argumentos contudentes. Espero críticas.
Ao
contrário do que pensam alguns aqui do grupo (Fredie Didier Jr., acima de todos),
meu conceito de execução forçada, o qual pude, dentro dos limites,
tratar no artigo que publiquei na última coletânea da ANNEP, é restrito.
Para mim, só há propriamente execução quando o Estado-juiz,
substituindo o sujeito passivo, presta algo no lugar dele, transmutando,
com isso, as esferas jurídicas das partes: algo deixa a esfera de um e
passa à esfera do outro. O ato do Estado-juiz deve ser, pois, ato em
substituição, e não ato originário.
Na
classificação ponteana, a qual, como sabem, entendo ser a mais
racional, semântica e pragmaticamente, a chamada sentença executiva
opera a própria execução forçada. Em alguns casos, como na sentença que
julga procedente a ação de reintegração de posse, atos materiais hão de
ser praticados, mas, tais atos, são apenas um braço da sentença que se
estende ao mundo real. Tem-se, com eles, a concretização no plano real
da operação promovida no plano da linguagem. Observem que, no exemplo, a
executividade da sentença está no fato de que o Estado-juiz, ao
determinar a retirada da coisa da posse do réu, o faz para entregar ao
autor a coisa, entrega esta que deveria, no âmbito da relação jurídica
processualizada (res in iudicium deducta), ser feita pelo réu.
Ademais, temos sentenças executivas que dispensam, inclusive, atos
materiais, como as sentença substitutivas de declaração de vontade não
emitida do art. 466-A, CPC.
Algo
muito distinto se dá com as sentenças de força condenatória, pois
estas, embora contenham executividade, não têm o condão de operar a
transmutação dita acima. Elas constituem, tão-somente, o título que
enseja a execução ou, mais especificamente, dão um dos pressupostos para
a execução forçada, sem que, obviamente, a operem. Isso se dá tanto em
relação às sentenças que, embora condenem de forma preponderante,
dispensam a actio judicati, como o são as do art. 461-A, CPC,
como em relação àquelas que, para serem efetivadas, necessitem da dita
ação, como ocorre com as sentenças do art. 475-J, CPC. Em relação às
primeiras, devo dizer, só há sentido no emprego delas em relação às
obrigações para entrega de coisa referentes a créditos dos mais
diversos, como aqueles que exsurgem de uma compra e venda ou de um
locação. Para as relações jurídicas de entrega de coisa fundadas em
direito real, na posse pura e simplesmente, e no acordo de transmissão
desta última, qualquer ato atentador às pretensões a elas inerentes dá
ensejo a ações executivas ou executivas reais, como denomina o professor
Ovídio Baptista da Silva, isso ocorre com ações como a reivindicatória,
a reintegratória de posse, a publiciana, a de imissão na posse, a de
petição de herança, a de despejo, a de depósito e muitas outras.
Nesse
sentido, respondendo à pergunta que fiz a Rinaldo (Mouzalas) ao longo de sua
arguição, as sentenças executivas não podem ser enquadradas como título
executivo, pois elas já operam a execução forçada. São muito mais, pois,
do que simples elementos para execução forçada como ocorre com as
condenatórias.
Repilo,
pois, o viés executivo da chamada execução indireta, pois, no caso, o
Estado-juiz não opera o ato de executar, agindo tão-somente para forçar a
execução. Não são executivas, pois, ações como o arresto e o mandado de
segurança, porquanto o ato do Estado-juiz seja um ato de ordenar que
alguém faça algo, sem que ele possa fazê-lo em substituição. As
sentenças mandamentais são aquelas que o Estado-juiz pratica algo (dá
uma ordem) que somente ele pode fazer. Pensem no exemplo do "habeas
corpus", a mais importante ação mandamental existente, somente um juiz
pode, dentro do Estado Constitucional (não apenas por questões de
direitos fundamentais, mas também, e principalmente, por motivos
relativos à distribuição do poder estatal) pode ordenar a uma autoridade
policial para que solte alguém ou deixe de prendê-lo. Observem que, por
outro lado, o juiz, dentro dos poderes constitucionalmente delimitados,
não pode praticar isso no lugar da autoridade policial.
Aqui,
fique claro, nenhuma executividade está em atos de ordenação (na
sentença executiva tais atos existem, em maior ou menor grau, sem que
nisso resida a executividade): a executividade está na referida
transmutação das esferas jurídicas. As cominações, ademais,
concretizadoras da chamada execução indireta são, em verdade, sentenças
acessórias de cunho condenatório: cumpra sob pena de algo. Alguns
autores, como Luiz Guilherme Marinoni, veem nelas a própria
mandamentalidade, um grande equívoco, a meu ver. Por incrível que pareça
há quem - talvez pelo fato de estar na moda as expressões
mandamentalidade e executividade sentencial - atribua tal entendimento a
Pontes de Miranda. Não me irrito pelo não estudo da obra do jurista
alagoano, mas fico totalmente revoltado quando vejo a obra dela ser
citada só para fins retóricos, numa retórica charlatã, uma verdadeira
impostura intelectual, para ficarmos com Sokal e Bricmont.
Rigorosamente,
a sentença mandamental é auto-realizável, já que ao ordenar o
Estado-juiz cumpre com seu dever. Não é por outro motivo que Pontes de
Miranda a coloca como mais dictum do que factum, pois nela
prepondera o dizer, e não o fazer. Outra coisa é o cumprimento da
ordem, que, por não poder ser feito pelo Estado-juiz em substituição,
não pode, só por isso, ser enquadrado como execução forçada. Vejam que,
havendo cominação, das duas uma: ou há o cumprimento voluntário, e não
se pode falar, obviamente, em execução, ou, na hipótese de
descumprimento, opera-se a cominação e a execução será não da ordem em
si, mas da sentença acessória que, como disse acima, tem força
condenatória.
Aos que defendem a natureza executiva da chamada "execução indireta" gostaria de obter uma resposta para o seguinte questionamento: a execução forçada está na emissão da ordem (mandamento) ou, conforme o caso, comando (condenação), no cumprimento deles, na cominação feita para o eventual descumprimento ou na execução da cominação operada em virtude deste último?
a) no primeiro caso, a execução seria apenas um ato formal de emitir uma ordem ou comando. Nesse sentido, qualquer sentença condenatória, mandamental ou, até mesmo, declaratória já executaria, não havendo sentido na distinção, tão cara à Ciência Processual moderna, entre conhecimento e execução, entre dictum e factum. Percebam, o ato de condenar (e é importante frisar a condenação, já que muitos dos autores que defendem a execução indireta são refratários, consciente ou inconscientemente, à sentença mandamental, logo a invocação desta última para o caso é praticamente irrelevante) já seria a própria execução;
b)
no
segundo caso, a distinção, necessária, entre cumprimento espontâneo e
execução cairia por terra, notadamente se a sentença contivesse uma
condenação. Nesse caso, na execução por quantia certa fundada em título
extrajudicial o despacho (rectius: sentença condenatória provisória) de admissibilidade do art. 652, CPC, já seria a própria execução;
c)
no
terceiro caso, a execução residiria apenas no ato de cominar algo por
um eventual descumprimento de uma ordem ou, conforme o caso, comando.
Toda sentença que condenasse ou
mandasse cominando sanção pelo descumprimento seria, ela própria,
execução. Ou seja, aqui, a execução não é forma de realização do
direito, mas sim apenas um ato que pode ensejar isso. Fazendo uma
comparação, no âmbito das relações jurídicas obrigacionais "stricto
sensu", o cumprimento da prestação não seria o adimplemento, mas sim o
simples fato de o sujeito passivo ser instado a cumprir;
d) no
último caso, a tese da executividade da "execução" indireta cai num
vício lógico incontornável, já que a execução da cominação
não é efetivação da ordem ou do comando, mas sim a própria execução
direta da sentença condenatória acessória (cominação). Enfim, a
"execução" indireta é tão execução quanto a outra, pois ela reside na
execução (direta!) da cominação efetuada pelo descumprimento do comando
ou da ordem. Maior petição de princípio não pode haver.
Por fim, numa
total liberalidade acadêmica, criei a seguinte classificação, a qual
transmito em aula. Temos um conjunto maio denominado de realização dos
direitos. Nele, até mesmo os direitos formativos são colocados.
Realização esta que, como se sabe, ocorre no mundo jurídico. Um
subconjunto dele é a satisfação, a qual engloba os direitos
prestacionais (o complementar do segundo em relação ao primeiro fica
apenas com os direitos formativos). Um terceiro, que é subconjunto do
segundo, é a execução forçada, a qual tem a ver apenas com a realização
de direitos prestacionais por ato de substituição do Estado-juiz.
Tem-se, pois: realização > satisfação > execução.
Roberto P. Campos Gouveia Filho.
Roberto P. Campos Gouveia Filho.
Irrepreensíveis as considerações. Pena que só descobri o blog hoje (10-11-2012). Fã incondicional que sou de Pontes de Miranda, já o coloquei nos favoritos.
ResponderExcluirFelipe Berkenbrock Goulart