Apresentação

Este Blog, criado por dois advogados e professores de Direito Processual Civil, Pedro Henrique Pedrosa Nogueira (da UFAL) e Roberto Campos Gouveia Filho (da UNICAP), tem por finalidade precípua despertar a comunidade científica para o debate sobre a obra (não apenas, embora preponderantemente, jurídica) do mestre alagoano Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Todos são bem-vindos, sejam aqueles que seguem a obra, que a criticam ou, até mesmo, que a desconhecem.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Por Uma Noção de Execução Forçada

O texto abaixo foi escrito para o grupo de discussão da Associação Norte e Nordeste dos Professores de Processo, da qual sou membro. Seu conteúdo é delimitação da execução forçada. Muitas discussões foram geradas. O tema é polêmico. Defendo, todavia, a ideia com argumentos contudentes. Espero críticas.

Ao contrário do que pensam alguns aqui do grupo (Fredie Didier Jr., acima de todos), meu conceito de execução forçada, o qual pude, dentro dos limites, tratar no artigo que publiquei na última coletânea da ANNEP, é restrito. Para mim, só há propriamente execução quando o Estado-juiz, substituindo o sujeito passivo, presta algo no lugar dele, transmutando, com isso, as esferas jurídicas das partes: algo deixa a esfera de um e passa à esfera do outro. O ato do Estado-juiz deve ser, pois, ato em substituição, e não ato originário. 

Na classificação ponteana, a qual, como sabem, entendo ser a mais racional, semântica e pragmaticamente, a chamada sentença executiva opera a própria execução forçada. Em alguns casos, como na sentença que julga procedente a ação de reintegração de posse, atos materiais hão de ser praticados, mas, tais atos, são apenas um braço da sentença que se estende ao mundo real. Tem-se, com eles, a concretização no plano real da operação promovida no plano da linguagem. Observem que, no exemplo, a executividade da sentença está no fato de que o Estado-juiz, ao determinar a retirada da coisa da posse do réu, o faz para entregar ao autor a coisa, entrega esta que deveria, no âmbito da relação jurídica processualizada (res in iudicium deducta), ser feita pelo réu. Ademais, temos sentenças executivas que dispensam, inclusive, atos materiais, como as sentença substitutivas de declaração de vontade não emitida do art. 466-A, CPC. 

Algo muito distinto se dá com as sentenças de força condenatória, pois estas, embora contenham executividade, não têm o condão de operar a transmutação dita acima. Elas constituem, tão-somente, o título que enseja a execução ou, mais especificamente, dão um dos pressupostos para a execução forçada, sem que, obviamente, a operem. Isso se dá tanto em relação às sentenças que, embora condenem de forma preponderante, dispensam a actio judicati, como o são as do art. 461-A, CPC, como em relação àquelas que, para serem efetivadas, necessitem da dita ação, como ocorre com as sentenças do art. 475-J, CPC. Em relação às primeiras, devo dizer, só há sentido no emprego delas em relação às obrigações para entrega de coisa referentes a créditos dos mais diversos, como aqueles que exsurgem de uma compra e venda ou de um locação. Para as relações jurídicas de entrega de coisa fundadas em direito real, na posse pura e simplesmente, e no acordo de transmissão desta última, qualquer ato atentador às pretensões a elas inerentes dá ensejo a ações executivas ou executivas reais, como denomina o professor Ovídio Baptista da Silva, isso ocorre com ações como a reivindicatória, a reintegratória de posse, a publiciana, a de imissão na posse, a de petição de herança, a de despejo, a de depósito e muitas outras. 

Nesse sentido, respondendo à pergunta que fiz a Rinaldo (Mouzalas) ao longo de sua arguição, as sentenças executivas não podem ser enquadradas como título executivo, pois elas já operam a execução forçada. São muito mais, pois, do que simples elementos para execução forçada como ocorre com as condenatórias. 

Repilo, pois, o viés executivo da chamada execução indireta, pois, no caso, o Estado-juiz não opera o ato de executar, agindo tão-somente para forçar a execução. Não são executivas, pois, ações como o arresto e o mandado de segurança, porquanto o ato do Estado-juiz seja um ato de ordenar que alguém faça algo, sem que ele possa fazê-lo em substituição. As sentenças mandamentais são aquelas que o Estado-juiz pratica algo (dá uma ordem) que somente ele pode fazer. Pensem no exemplo do "habeas corpus", a mais importante ação mandamental existente, somente um juiz pode, dentro do Estado Constitucional (não apenas por questões de direitos fundamentais, mas também, e principalmente, por motivos relativos à distribuição do poder estatal) pode ordenar a uma autoridade policial para que solte alguém ou deixe de prendê-lo. Observem que, por outro lado, o juiz, dentro dos poderes constitucionalmente delimitados, não pode praticar isso no lugar da autoridade policial. 

Aqui, fique claro, nenhuma executividade está em atos de ordenação (na sentença executiva tais atos existem, em maior ou menor grau, sem que nisso resida a executividade): a executividade está na referida transmutação das esferas jurídicas. As cominações, ademais, concretizadoras da chamada execução indireta são, em verdade, sentenças acessórias de cunho condenatório: cumpra sob pena de algo. Alguns autores, como Luiz Guilherme Marinoni, veem nelas a própria mandamentalidade, um grande equívoco, a meu ver. Por incrível que pareça há quem - talvez pelo fato de estar na moda as expressões mandamentalidade e executividade sentencial - atribua tal entendimento a Pontes de Miranda. Não me irrito pelo não estudo da obra do jurista alagoano, mas fico totalmente revoltado quando vejo a obra dela ser citada só para fins retóricos, numa retórica charlatã, uma verdadeira impostura intelectual, para ficarmos com Sokal e Bricmont. 

Rigorosamente, a sentença mandamental é auto-realizável, já que ao ordenar o Estado-juiz cumpre com seu dever. Não é por outro motivo que Pontes de Miranda a coloca como mais dictum do que factum, pois nela prepondera o dizer, e não o fazer. Outra coisa é o cumprimento da ordem, que, por não poder ser feito pelo Estado-juiz em substituição, não pode, só por isso, ser enquadrado como execução forçada. Vejam que, havendo cominação, das duas uma: ou há o cumprimento voluntário, e não se pode falar, obviamente, em execução, ou, na hipótese de descumprimento, opera-se a cominação e a execução será não da ordem em si, mas da sentença acessória que, como disse acima, tem força condenatória. 

Aos que defendem a natureza executiva da chamada "execução indireta" gostaria de obter uma resposta para o seguinte questionamento: a execução forçada está na emissão da ordem (mandamento) ou, conforme o caso, comando (condenação), no cumprimento deles, na cominação feita para o eventual descumprimento ou na execução da cominação operada em virtude deste último? 

Retoricamente, faço minhas respostas para tais perguntas:

a) no primeiro caso, a execução seria apenas um ato formal de emitir uma ordem ou comando. Nesse sentido, qualquer sentença condenatória, mandamental ou, até mesmo, declaratória já executaria, não havendo sentido na distinção, tão cara à Ciência Processual moderna, entre conhecimento e execução, entre dictum e factum. Percebam, o ato de condenar (e é importante frisar a condenação, já que muitos dos autores que defendem a execução indireta são refratários, consciente ou inconscientemente, à sentença mandamental, logo a invocação desta última  para o caso é praticamente irrelevante) já seria a própria execução;

b) no segundo caso, a distinção, necessária, entre cumprimento espontâneo e execução cairia por terra, notadamente se a sentença contivesse uma condenação. Nesse caso, na execução por quantia certa fundada em título extrajudicial o despacho (rectius: sentença condenatória provisória) de admissibilidade do art. 652, CPC, já seria a própria execução;

c) no terceiro caso, a execução residiria apenas no ato de cominar algo por um eventual descumprimento de uma ordem ou, conforme o caso, comando. Toda sentença que condenasse ou mandasse cominando sanção pelo descumprimento seria, ela própria, execução. Ou seja, aqui, a execução não é forma de realização do direito, mas sim apenas um ato que pode ensejar isso. Fazendo uma comparação, no âmbito das relações jurídicas obrigacionais "stricto sensu", o cumprimento da prestação não seria o adimplemento, mas sim o simples fato de o sujeito passivo ser instado a cumprir;

d) no último caso, a tese da executividade da "execução" indireta cai num vício lógico incontornável, já que a execução da cominação não é efetivação da ordem ou do comando, mas sim a própria execução direta da sentença condenatória acessória (cominação). Enfim, a "execução" indireta é tão execução quanto a outra, pois ela reside na execução (direta!) da cominação efetuada pelo descumprimento do comando ou da ordem. Maior petição de princípio não pode haver.

Por fim, numa total liberalidade acadêmica, criei a seguinte classificação, a qual transmito em aula. Temos um conjunto maio denominado de realização dos direitos. Nele, até mesmo os direitos formativos são colocados. Realização esta que, como se sabe, ocorre no mundo jurídico. Um subconjunto dele é a satisfação, a qual engloba os direitos prestacionais (o complementar do segundo em relação ao primeiro fica apenas com os direitos formativos). Um terceiro, que é subconjunto do segundo, é a execução forçada, a qual tem a ver apenas com a realização de direitos prestacionais por ato de substituição do Estado-juiz. Tem-se, pois: realização > satisfação > execução. 

Roberto P. Campos Gouveia Filho.